sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Danos Morais: Análise de julgados das Turmas Recursais do TJDFT - parte I

                 Nestes próximos posts, vou expor como é aplicado o tema "danos morais" na prática forense, a partir de uma pesquisa empírica. Para tanto, foi utilizada a jurisprudência das Turmas Recursais disponível no site do TJDFT. A opção pelos julgados das Turmas se deu em razão das peculiaridades que circundam os Juizados Especiais Cíveis (e também porque trabalho em Juizados Especiais há mais de cinco anos, o que me faz ter experiência acerca deste assunto).
                 Pois bem. Antes de falar sobre os casos que possuem respaldo da jurisprudência pátria acerca da ocorrência de danos morais, cumpre esclarecer o mundo dos Juizados Especiais Cíveis. A competência dos Juizados Especiais Cíveis é delimitada pelo valor da causa, pela matéria nela debatida e pela qualidade das partes. Como regra, desde que o demandante cumpra os requisitos previstos no artigo 8º da Lei 9.099/95, todas as ações de menor complexidade cujo valor não ultrapasse a alçada legalmente fixada são da sua competência.
                 Esta justiça especializada, por mandamento constitucional, é destinada a compor as “causas cíveis de menor complexidade” (CF, art. 98, inc. I) e tem por escopo facilitar o acesso ao Judiciário, sendo que a própria lei matriz dos Juizados dispensa a assistência de advogados quando a causa for de até 20 salários-mínimos.
                 Os princípios que norteiam os processos em trâmites nos Juizados Especiais são a celeridade, a informalidade, a economicidade, dentre outros (art. 2º, Lei 9.099/95), que apenas demonstram a preocupação do legislador em desvincular as ações dos formalismos rigorosos da lei processualista.
                 Quanto aos recursos, dispõe o § 1º do art. 41 da Lei 9.099/95 que “o recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado”. Assim, as sentenças proferidas pelos juízes dos Juizados Especiais podem ser reanalisadas por uma Turma composta por três juízes de direito, até então lotados no 1º grau de jurisdição.
                 Em relação aos Juizados, é certo que, por tramitarem demandas mais simples acerca de situações corriqueiras, a análise da jurisprudência das Turmas Recursais torna-se imperiosa, pois se aproxima muito da vida comum de cada pessoa e analisa casos que qualquer um poderia vivenciar em seu cotidiano.
                 Para o presente trabalho, buscou-se pesquisar as seis situações com maior número de litígios, cuja jurisprudência pacífica é no sentido de confirmar a ocorrência de danos morais, passando-se à análise dos critérios adotados para a fixação do quantum.
                 Foram analisados acórdãos sobre extravio de bagagem, ainda que temporário; atraso, cancelamento unilateral ou alteração de voo; a negativação indevida do nome do consumidor em órgãos de proteção ao crédito; a negativa de cobertura de exames, pelos planos de saúde; a queda de pessoa em estabelecimento comercial, bueiro ou dentro do ônibus; e, por fim, ofensas perpetradas por uma pessoa à outra.
                 Percebe-se que nestes seis casos supracitados, apenas um deles é de natureza paritária (ou seja, as partes estão na mesma posição jurídica), que é o caso de ofensas quando há brigas e discussões, qualquer que seja o motivo. Todos os outros são açambarcados sob a égide do Código de Defesa do Consumidor. Isto porque este sistema foi construído especialmente com escopo de proteger uma das partes da relação travada entre os desiguais. Visa, assim, tutelar um grupo específico de indivíduos, por sua situação de vulnerabilidade nas relações contratuais.
                 Como sabido, a responsabilização civil nas relações de consumo assenta-se na teoria da qualidade do serviço ou do produto, notadamente em relação à segurança legitimamente esperada. É o que se extrai da análise do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer que:
Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam (...).
                 Nesse sentido, por se tratar de responsabilidade civil objetiva, é dispensável a análise do elemento volitivo, mas a norma exige a análise do elemento objetivo, qual seja a falha de prestação de serviços. Logo, a consequência da responsabilidade objetiva prevista no CDC é o risco da atividade.
                 Em relação ao dano moral nas relações de consumo, em que pese não exista uma relação exaustiva de hipóteses, deve o juiz atentar, em cada caso, para que a aplicação do CDC sirva para modificar as práticas existentes atualmente. Na lição de Claudia Lima Marques (2014, p. 695):
                 "…de nada vale a lei (law in the books), se não tem efeitos práticos na vida dos consumidores (law in action) e no reequilíbrio das relações de poder (Machtpoistionen) e relações desequilibradas e mesmo ilícitas. (...) Os danos materiais e morais sofridos pelo consumidor individual, porém, devem ser todos ressarcidos, pois indenizar pela metade seria afirmar que o consumidor deve suportar parte do dano e autorizar a prática danosa dos fornecedores perante os consumidores."

                 Portanto, na prática é possível perceber a alteração jurisprudencial em relação à constatação de ocorrência de danos morais, principalmente em se tratando das relações de consumo.
                 A pesquisa que se segue foi apresentada ao Curso de Direito do Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília, como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito (menção SS).
                 É um trabalho interessante e que poderá respaldar futuros pedidos de reparação por danos morais.

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